Quando as pessoas pensam em loucuras de mercado, pensam em tulipas holandesas ou em imobiliário. Mas, no final do século XIX, a procura por Hirudo medicinalis — a sanguessuga medicinal europeia — quase levou a espécie à extinção. As suas propriedades medicinais eram aclamadas como uma cura para todos os males em toda a Europa e o animal era utilizado para tratar tudo, desde cancro a tuberculose e doenças mentais.

O cobiçado verme – castanho-escuro ou negro, com uma risca fina amarela, verde ou vermelha no dorso – era popular porque, supostamente, era suave ao toque, mas sobretudo porque tinha um apetite voraz.

Os médicos da altura prescreviam, frequentemente, dezenas de sanguessugas para tratar o mal que afligisse um paciente. Alguém que se suspeitasse ter pneumonia, por exemplo, poderia ter até 80 sanguessugas aplicadas no peito em cada sessão de tratamento. Enquanto terapia para a gastrite, poderiam ser prescritas até 20 ou 40 sanguessugas. A espécie selvagem Hirudo medicinalis tornou-se assim cada vez mais escassa nos seus domínios europeus. 

Este animal foi usado como um método primitivo de sangria, mas os seres humanos utilizam a sangria para tratar doenças há milénios – há cerca de 3.000 anos no antigo Egipto. As primeiras pessoas a praticá-la utilizavam ferramentas simples, como espinhos de plantas ou dentes de animais, para sangrar os pacientes. À medida que a prática se disseminou para a Europa e a Ásia, lâminas de dupla face, conhecidas como lancetas, tornaram-se populares. Os flames eram outra ferramenta de lâmina fixa que se popularizaram na Europa medieval – eram colocados sobre as veias e golpeados, cortando rapidamente os vasos sanguíneos. Quantidades de sangue mais pequenas poderiam ser extraídas através de escarificação. A pele era raspada com uma ferramenta de colecta e eram colocados copos abobadados sobre os cortes. A sucção criava um vácuo que extraía o sangue.

Hirudo medicinalis
JOEL SARTORE, NATIONAL GEOGRAPHIC PHOTO ARK, NATIONAL GEOGRAPHIC IMAGE COLLECTION

A Hirudo medicinalis, a espécie mais comum de sanguessuga medicinal, pode ultrapassar os 18 centímetros de comprimento. 

Bons remédios

Os europeus da época vitoriana não foram os primeiros a usar estes vermes sugadores de sangue como meio de socorro. As sanguessugas foram utilizadas medicinalmente pelos antigos egípcios e, mais tarde, na Índia, na Grécia e em Roma. Os médicos gregos costumavam usar os animais para fazer sangrias, equilibrar os humores e tratar condições tão variadas como gota, febre e perda de audição.

As sanguessugas atingiram novos patamares no século XIX, em grande parte devido à influência de François-Joseph-Victor Broussais, o chefe de medicina do hospital de Val-de-Grâce, em Paris. O médico declarou que todas as doenças, desde varíola a cancro, eram causadas por inflamação e, segundo ele, as sangrias eram a cura. Fazer sangrias com sanguessugas tornou-se a norma por ser relativamente seguro e não exigir quaisquer capacidades especializadas. Além disso, as sanguessugas têm anticoagulantes naturais na sua saliva, que ajudam a hemorragia a estancar depois de se desprenderem do paciente.

 Conjuntos de sangria
SSPL/UIG/BRIDGEMAN

À medida que as sanguessugas medicinais se iam tornando mais raras, foram fabricados conjuntos de sangria, como este modelo francês de 1850.

Broussais tratou a sua própria indigestão através da aplicação de dezenas de sanguessugas e acreditava que o uso de sanguessugas também poderia ter efeitos positivos na saúde dos animais. Fazia sangrias aos seus galos lutadores todas as semanas, embora as aves, enfraquecidas, tivessem um desempenho fraco. A procura de sanguessugas era tal que, entre 1830 e 1836, o hospital de Broussais utilizou mais de dois milhões, aplicando por vezes grandes quantidades de sanguessugas em novos pacientes antes de qualquer diagnóstico. Os registos de outros hospitais franceses também mostram uma utilização robusta durante o auge da popularidade das sanguessugas: entre 1820 e 1850, alguns utilizaram entre 50.000 e 60.000 sanguessugas por ano, segundo uma investigação realizada por Roy Sawyer, fundador do Medical Leech Museum, em Charleston, na Carolina do Sul.

Cadeia de abastecimento

Para satisfazer a procura, os hospitais dependiam de trabalhadores rurais que capturavam os animais selvagens. Ser apanhador de sanguessugas era um trabalho nada invejável no século XIX, mas era fiável. Andando a vau num lago de água doce ou numa poça lamacenta para oferecer o seu próprio corpo como isco para vermos parasíticos, o trabalho de um apanhador – ou frequentemente apanhadora – de sanguessugas foi descrito como “perigoso e cansativo” pelo poeta romântico inglês William Wordsworth [Outrora, encontrava-as [as sanguesugas] por todo o lado;/ Foram desaparecendo, e muito, numa lenta diminuição,/ Mas continuo a perseverar e a encontrá-las onde estão, numa tradução livre de excerto do poema “Resolution and Independence”]

Havia sanguessugas em lagos de água doce, ribeiros, pântanos e valas por toda a Europa. Sugavam o sangue de várias criaturas: veados, cavalos, vacas e seres humanos, bem como peixes, anfíbios e aves aquáticas.

A poesia do declínio Populacional
UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE/UIG/BRIDGEMAN

Esta gravura de George Walker, de 1814, mostra mulheres inglesas de uma região rural a apanharem sanguessugas medicinais num pântano para vender a médicos.

Agarrando-se às presas com as suas três formidáveis mandíbulas, cada uma munida de cerca de 100 dentes, as sanguessugas extraem frequentemente uma colher de sopa de sangue até ficarem saciadas e poderem ser removidas com facilidade. O facto de servirem repetidamente de refeição sanguínea abalava os apanhadores de sanguessugas sitiados, que suportavam problemas como fadiga e hemorragias extremas, bem como infecções propagadas por organismos existentes no sistema digestivo da sanguessuga ou doenças transmissíveis como a sífilis. Existia também o risco de o animal poder regurgitar sangue previamente ingerido.

A mania das sanguessugas

Na época vitoriana, o entusiasmo pelas sanguessugas espalhou-se por toda a Europa e deu origem a uma tendência glorificada na moda e na arte europeia. Eram bordadas sanguessugas nos vestidos das mulheres. Os ervanários compravam recipientes requintados com cerca de meio metro de altura para guardar e exibir proeminentemente as suas sanguessugas. A necessidade de transportar as sanguessugas através de longas distâncias, em viagens transcontinentais e, mais tarde, transatlânticas, também inspirou inovações no seu armazenamento.

Para satisfazer a crescente procura americana, em 1835 foi anunciado um prémio no valor de 500 dólares — o equivalente a cerca de 17.000 dólares actualmente – para qualquer pessoa que conseguisse criar sanguessugas medicinais europeias nos EUA, mas a experiência não foi bem-sucedida.

As relações entre as pessoas e os seus parasitas também deram origem a surpreendentes laços de longa duração: o chanceler britânico Lord Chancellor Thomas Erskine, que viveu entre 1750 e 1823, sentia tal gratidão pelas duas sanguessugas que o sangravam quando estava extremamente doente que as mantinha como animais de estimação. Guardando-as num copo, dava-lhes água fresca todos os dias e chamou-lhes Home e Cline, em homenagem a dois cirurgiões aclamados, segundo o livro Leech, da autoria de Robert Kirk e Neil Pemberton, historiadores da medicina da Universidade de Manchester. 

Produtos Farmacêuticos Requintados
B CHRISTOPHER/ALAMY

Jarros grandes em cerâmica com pormenores dourados, como este jarro inglês, dominavam as montras das drogarias na Europa e nos EUA no século XIX. Estes jarros vistosos anunciavam o stock de sanguessugas medicinais do farmacêutico. Por mais ornamentado que o recipiente fosse, a tampa tinha sempre buracos para o ar circular até às sanguessugas.

Apesar da popularidade da sanguessuga medicinal europeia, ela não era um produto ideal para comercialização. A espécie só precisava de uma refeição de sangue a cada seis meses e só atingia a idade reprodutiva passados alguns anos. As sanguessugas usadas eram frequentemente descartadas em valas ou lagos, onde poderiam teoricamente reproduzir-se, mas o excesso de exploração da espécie, juntamente com a drenagem e a conversão dos pântanos em terras agrícolas e o desaparecimento dos anfíbios dos quais as sanguessugas dependiam como alimento, provavelmente relacionadas com estas actividades, promoveram o seu declínio.

Para ajudar a salvar a sanguessuga medicinal da extinção, um pequeno número de governos europeus do século XIX implementou algumas das primeiras normas de protecção de vida selvagem, proibindo a exportação de sanguessugas ou regulando a sua apanha. Em 1848, a Rússia proibiu a apanha entre Maio e Julho – o auge da época de acasalamento.

Contudo, estas acções não foram suficientes. No início da década de 1900, a sanguessuga medicinal encontrava-se em perigo em muitos locais da Europa e pensava-se, erradamente, que o animal desaparecera da Grã-Bretanha, da Alemanha, da Suécia e dos Países Baixos.

Apanhador de sanguessugas
BRIDGEMAN/ACI

Um apanhador de sanguessugas italiano, conhecido como mignattero, mostra os seus especímenes nesta fotografia de 1910.

Em parte devido ao facto de não terem conseguido conter a epidemia de cólera que assolou a Europa e os EUA, as sanguessugas deixaram de estar em moda enquanto tratamento médico de primeira linha. As sanguessugas continuaram a ser utilizadas medicinalmente, mas para fins muito mais limitados. No início do século XX, os animais eram vendidos em barbearias, como tratamento recomendado para as olheiras.

Actualmente, a sanguessuga medicinal europeia é considerada quase rara pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). O seu domínio ainda se estende pela Europa fora e, juntamente com as pressões exercidas pela apanha local, a destruição das zonas húmidas, as alterações climáticas e a falta de refeições à base de sangue de mamíferos e anfíbios são consideradas as ameaças mais prementes. A utilização do animal na medicina moderna continua, sobretudo como método auxiliar em transplantes e cirurgia plástica, mas os animais são agora frequentemente criados em laboratórios na Europa e nos EUA. 

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.